segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Tarde quente

Tarde quente, coração apertado, lembranças. Muitas lembranças.
Estou na sala da casa da Dalva. A mesma sala onde ficamos desde sábado até aquela segunda-feira, quando chegou a noticia. Ficamos todos, nesses tres dias, rezando, pedindo, entrando e saindo, orando e chorando. O telefone não parava e a cada toque um sobressalto, um arrepio.
Dormia-se tarde, acordava-se cedo. Comer eu não queria. Descansar, como? Eu não podia.
Fazíamos corrente, implorávamos: Chris, volta, por favor volta, acorda e vem pra casa, estamos te esperando. O Cauê está te esperando, o André também.
Chega de tanta dor! Acreditávamos todos que ela iria voltar...
O telefone tocou:
- Mãe, um a zero pra nós!
- Verdade filha??
Mais tarde:
- Mãe, quatro a zero pra nós!
- Meu Deus! Não me engane, é verdade?
- Claro! Ela vai sair dessa!
Quanto medo! A cada toque, a pergunta: e agora, quem atende? Qual será a notícia?
Na segunda-feira eu estava na casa da Sonia. O almoço estava para ser servido: na mesa o Mantu, o Sérgio e eu; na pia, a Renata e a Sonia no fogão.
Na sala estava o marcelo e na UTI minha filha morrendo.
Meu coração se apertou, se esmagou e a respiração quase faltou. Preciso ir pra Dalva, quero ir embora daqui!
O telefone tocou:
- Rô, a Mari está aí? - perguntou o pai.
Por quê ela estaria? Não está com você?
Claro! Eu já sabia... corri pra rua e a Marina me acompanhou. Minha filha estava morta!
Como estará a Mari? E o Piga? Como estará o André?
Minha filha, meio filha de minha outra filha, chegou.
- Mari! Ela morreu??
- Claro que não mãe, vamos entrar.
Sentei no sofá, a Mari se ajoelhou aos meus pés:
- Mãe, todos vamos precisar muito de você.
Será que os assassinos vão pagar?
Quero ver a cara de todos, quero ver as mãos de todos.
- Isso tudo é teatro - profetizou o psiquiatra.
A cortina se fechou. A platéia estava no hospital, em casa, orando, sofrendo, esperando e chorando.
Espero que eles sim, subam ao palco e no centro tenha um juiz e que a decisão seja justa.
Parem de matar!!!
Estudem de verdade, amem a profissão.
Parem de arrancar filhos dos braços de suas mães, seus pais, tirar irmãos, amores de suas famílias.
Chega! Chega de ousar, experimentar, chega de brincar!

Lembrança

Uma pequena homenagem que faço ao meu amor que tão cedo partiu, partindo meu coração.
Antes de perder minha filha, já me sentia no fundo do poço e sequer sonhava que um dia sairia desta escuridão. Onde achar alguém que me retirasse? Buscava já há longos dez anos ajuda para sair desse lugar. Mas... me enganei quando pensei que fosse o fundo pois quando minha filha partiu, aí sim, desci às profundezas desse lugar: escuridão total, sequer um filete de luz, nem mesmo uma lamparina ou um simples vagalume.
Pensava que, assim que saísse desse poço, reuniria meus amigos, as pessoas que amo, que me ajudaram e foram solidárias, enfim, que estiveram comigo. Imaginava um encontro onde cada um fizesse algo que lhe fosse prazeroso: cantar, dançar, qualquer coisa e que eu pudesse mostrar meu sofrimento: falar dessa perda, dessa dor desesperada, malvada, cruel e desenfreada.
Perdi meu pai, primos e tios. Nunca pensei que pudesse perder uma filha. Nunca, nunca imaginei! Sofri demais por amor. Passional que sou, já me descabelei, me doei, corri atrás, me humilhei e hoje percebo que desse amor pode se perder muitos, mas a dor, essa nunca será a da perda de um filho. Cada dor é única, não tem raça nem credo, não tem cor. Mas essa, essa corrói, dilacera; profunda, te joga ao chão.
Pouco tempo depois saí dessa escuridão: escalando, me agarrando, me arrastando e arranhando. Saí da escuridão e segui o filete de luz que lá fora, eu vislumbrava. Senti o sol, o frio, e a chuva me encharcando me chamava de volta à vida. Renasci e então me perguntei: precisava minha filha partir para que eu voltasse?
Decidi que esse encontro seria em casa, onde moro com as crianças, com a Mari, com o Zé e o Stefan. Onde morava a Chris, com jardim, flores e muito espaço. Senti essa necessidade e quero dividir com vocês a minha dor, que pode ser que diminua um dia. Mas minha saudade, essa sei, será eterna...