segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Repetição

Dor indecente e insistente que só se acumula, sem piedade.
Mal estar poluente, grudado em meu corpo sem trégua calmante.
Quero beber, quero descer, rejuvenescer, voltar a viver.
Sem escora, dependente, carente. Chega dessa demora.
A volta de dentes sem vergonha de dar risada, jogar cartas, gargalhar.
Dor que dispara, aperta o gatilho e da nó na garganta.
Me veste de medo, me despe com fogo.
Tudo se mistura e queimo em desespero.
Deito com minhas dores, saudade, doente ainda.
Busco minha cura, demora em chegar.
Curar minha dor e saudade sei que não vai dar.
Espero-as menor e a amenização da minha doença.
A noite está quente e a mente inquieta.
Correm pensamentos.

Sem nome

Sem nome, acordei na madrugada.
Arrumação, dor e solidão, poeira, sujeira, roupa jogada, tomada quebrada. Assisti ao seu filme pela metade, mais presente impossível. Muita comida, chocolate, muito cigarro. O telefone não toca, como agir?
Ela pediu um dia: tome conta do Cauê se algo acontecer. Soube disso depois que partiu.
Muita agonia, ficando imensa, a fome não sacia, o refrigerante corrói, devassa, tomo direto da garrafa.
O tic-tac do relógio atordoa, a alma enferruja. A família e os amigos nada entendem. Eu nada entendo, vivo agressiva, vem de repente, talvez seja medo da loucura. A morte traz o descanso, mas não quero partir. Meu pai me visita em sonhos insistentes, minha mãe ainda em sua missão doente, pessoas loucamente ausentes da vida, da razão, do pé no chão.
Assassinos impunes, corrupção servida em bandejão, ano de copa e eleição, venda nos olhos do povão.
Acordo sem nome, deito assustada, os meses se arrastam e o túnel continua escuro. O dia se arrasta, me arrasto pesada, carente, ausente e pedinte, comendo a comida que não pago, bebendo da água que não é minha, fumando o cigarro sem poder comprar, usando a luz sem poder pagar.
Reina um silencio com barulho de armas em transe, carros passando no farol vermelho, o relógio correndo antes que a pilha se acabe. Portas mudas no seu papel, abertas ou fechadas, o varal tem roupas penduradas enquanto as máscaras continuam postas, difícil para todos arrancá-las.
Assim vai chegando o dia e as correntes continuam se encaixando na engrenagem. Bom dia para o chefe de cara feia, água no fogo para o café, o lixo saindo para a rua, a condução lotada carregando gente como se fossem bois.
Os dias assim se passam e eu enjaulada no sofrimento e na vergonha, na dor e na sujeira do corpo sem banho, no susto de uma boca sem dente, total carência de um beijo e um abraço.

Chris, bom dia!

O sino está badalando seis horas, acordei e sabia que não poderia dormir mais, pelo menos não imediatamente.
Hoje é o dia de seu aniversário e quero converssar com você. Ontem, ao telefone com sua irmã, tive uma crise de choro. Não entendo o que aconteceu, não entendo porque não pude fazer nada por você.
Se não tenho culpa por ter partido, preciso que venha me dizer pois penso que precisava ter feito algo mesmo eu não estando no mundo real, pois me encontrava em outro lugar.
Nos poucos sonhos que tenho com você, percebo que está bem mas você não diz nada e aí, fico indecisa.
Lembro que você lamentava a morte da Helena por ela ter partido tão jovem e você se foi, tão jovem também.
Quero que tenha uma festa onde está, muitos beijos e muitos abraços apertados.
No dia do seu aniversário eu mandava sempre um telegrama mas como não sei seu novo endereço vou lhe deixar uma mensagem:
Quando estiver caminhando não se esqueça de levantar seu lindo e longo vestido prateado, para que ele não se enrosque em suas lindas sandálias de estrelas.
Mantenha seus lindos cabelos soltos, com lindas margaridas ao longo de seus fios.
Com suas mãos de dedos longos e finos, faça carinho nas nuvens que passam ao seu redor e quando colher flores, coloridas e macias, coloque-as num canto fresco e iluminado para que seu perfume possa chegar até mim e me envolver como se você estivesse por perto.
Agora, vejo seu sorriso, largo e doce, seu rosto está feliz, sua alma leve e alegre, seus passos suaves e cuidadosos.
Aqui o dia está chegando, os relogios se contrapoem ao seus sons, estou fora da jaula, fétida de cigarro e há restos de comida. O ar está impregnado de desespero, medo e solidão.
Poeira por toda parte, roupas limpas e sujas se misturam, a porta sempre fechada assim como está meu coração desde que partiu. Amo você.

Escrito em 06 de maio de 2007