quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Portas

Limpas ou sujas. Falamos ou nos calamos, sentimos dores, angustias, decepções, mágoas e raivas.
Abertas ou fechadas, apodrecem e se acabam. Se abrem e se fecham, trazendo alguém indesejável, levando alguém que amamos. Por elas, passam um chato, entram ratos, saem baratas. Por elas, entram crianças felizes e bem amadas, saem outras tantas oprimidas, carentes e medrosas. Entra o sol, entra a chuva, sai poeira e água suja. Mas ela não tem dores, nem amores, não chora nem tem pudores. Fica lá, imóvel, dura, seca e surda.
Por ela passamos eu e você, seja qual for sua cor e seu tamanho, o desenho ou a pintura. Pode ter chave ou cadeado, correntes e trancas. Continua lá, parada, podendo ranger e ser batida.
Lá dentro, por detrás dela, escondem-se dores, gritos e sussurros, medos e loucuras, planos e esperanças, crenças e ceticismo. Nela, nada dói. Não importa se limpa ou suja, se lá dentro ou se lá fora, é ali que mora o medo.

Morte em vida (Dona Ignes)

A morte sentou se à minha frente. hora pálida, hora rouxa e sêca. A boca murcha, o abandono, a própria rejeição. Coração disparado, dores pelo corpo, nas pernas, nas artérias.
Solidão! Rejeição!Abandono!
A cova é igual pra todos: muda a pompa, talvez haja uma salva de vinte um tiros ou a carreata em cima do carro do corpo de bombeiros andando pela cidade; muda o tamanho da fila para o velório, os modelitos dos óculos e a grife das roupas e, talvez, até as cores dos lenços de seda usados para secar lágrimas, as falsas e as verdadeiras.
A cova é igual pra todos e fica a sete palmos abaixo do solo.Antes dela, bastaria uma visita por mês trazendo consigo uma caixa de bombons ou um pacote de bolachas. Quem sabe só um telefonema, uma visita com um pequeno sorriso. A cova é igual pra todos. Nela não caberá pertences, carros, jóias, pinturas ou perfumes franceses.
Sete palmos somente, para o político e o trabalhador, o mendigo ou o banqueiro, o bom ou o indecente.Se não há amor, poderia ser por compaixão, a piedade pelo abandono, pela clausura de uma vida morta. A hora vai chegar, seja você feio ou bonito, alto ou baixo, gordo ou magro, elegante ou mal vestido.
Não tem perdão, não tem por onde. Chega e carrega nos deixando todos iguais.