Meus passos não querem me tirar do quarto, minha mente grita por liberdade de atos.
A vida grita em todos os cantos, na rua, no sol, dentro de casa. A minha vida grita de dor, desespero e cansaço, quem chega e vem me cumprimentar não sabe da minha dor, vergonha e humilhação.
A mente embaçada e confusa não me diz como continuar. O mundo caminha e eu continuo paralisada. A raiva se apodera e me faz confundir tudo, enrosco as mãos nos pés e não compreendo tanta loucura.
Fui menina, garota e mulher. Hoje sou pessoa jogada, largada e ladra de doces, implorando compreensão quando sei que ninguém pode ter.
Junto com meu buraco abstrato, purulento de feridas que gotejam sangue, escondidas, feridas grudadas na alma, impregnadas nos poros, fundindo-se ao suor fedido por falta de banho.
Do porão do desespero subo para o sótão imundo da medicina de status, dos diplomas nas paredes, recheadas de certificados e glórias. Medicina que salva mas também carrega vidas quando mãos e mentes despreparadas não prescrevem os remédios certos e não pegam o bisturi na hora devida. Diplomas com letras enormes e no rosto a superioridade que não deveria existir. Muitos são esses homens que disseram querer salvar vidas mas sem a humildade de pedir ajuda sempre que sentir que precisa.
Longos onze anos envenenada por drogas e mais drogas, muita dor pela caminhada sem esperanças.
Viva de casca e de roupas mas morta, tão morta, que nem consegui viver os últimos dias de minha filha. Via seu inferno de medo e dor ,escutava seu choro de agonia e nada eu fazia. Não podia, não conseguia, somente morria. Nem chorar sua partida eu fiz. Esvaziada de vida, não entendia de morte, muito menos daquela que arrancava para sempr uma vida que poderia ser tão bela.
Quando chego ao sótão de minha alma, tem desespero e solidão, tem poeira e escuridão. Aí, enlouqueço na realidade da humanidade, pacata, esperando por dias melhores.
Nesse sótão vejo pessoas aprisionadas pelos poderosos e podres de tudo, com pensamentos latentes em lucros e orgias, orgias de desmando, de pouco caso, de puro descaso, levando a pacata e dominada humanidade sempre pensando que de nada são capazes, que nada poderá ser diferente.
E assim caminha a humanidade: açoitada, esmagada e faminta, faminta de vida, de vida verdadeira, faminta de educação, saúde e dignidade; humanidade expropriada de tudo, amor, generosidade,vaidade.
Quando canso desse sótão imundo e gelado, desço ao porão embolorado de paredes rachadas, de estofo podres e contaminadas pela dor e abandono, de uma vida medrosa que desencanta o homem que ali precisa morar, mas abandona tudo porque já abandonou sua vida, tão despida de atenção
e proteção pelo estado vigente. Homens poderosos que um dia estarão igualmente a todos nós, debaixo da terra, comidos e dissecados, sem gavetas para guardar suas imensas fortunas roubadas e depositadas em paraísos dourados e reluzentes. Um dia poderão estar pretos e bolorentos, destruídos pelas mãos da sabedoria e do aprendizado que, até que se prove ao contrário, todos choram ao nascer.
Desço para o porão e corro com o campo fértil da imaginação, arrastada pela indignação, pelo sofrimento em que me arrasto, por pura falta de estudo, falta de vontade, falta de investimento, sem querer desafiar o mundo da mente dos homens acometidos por doenças mentais psicossomáticas e eventualmente neurológicas. Homens que se dizem médicos e se sentam atrás de uma mesa, rezando á Deus para que as horas passem depressa, e nesse tempo de espera, receitas e mais receitas, drogas e mais drogas.
- Vá para casa e durma com seu barulho, transpire sua dor no travesseiro, esconda seus medos embaixo das cobertas... se as tiver, claro...
Guardei as caras e o pouco caso de todos, salvo aqueles que se arrastam pela vida acreditando no que estão fazendo. Tento depurar no papel a vontade alucinada de poder inquirir a todos que se valem do avental e do estetoscópio pendurado, lançando olhares de enjoo, nauseantes, pedindo para entrar o próximo.
Hoje tenho a esperança, o sonho de tantos anos, de estar próximo o adeus a tantos anos de sofrimento, esperança essa dada a mim por pessoas lúcidas e amorosas, amigas e verdadeiras, por médicos que não brincam de medicina, família e vizinhos, conhecidos e vindos a conhecer nas filas de espera da dor e da crença em dias melhores.
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
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