sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Não sei de verdades, sei de saudades

Tem dias que o tempo para e o brilho do sol é desespero.
Há dias que se iniciam me carregando para aquele dia
Enlouqueço, penso em partir. Respiro fundo, choro profundo, penso em ficar.
De verdades nada sei, o que são mentiras nunca saberei.
A saudade é gigante, não posso olhar o dia.
Faço do escuro meu escudo, não quero olhar a verdade.
Dessa verdade sei de tudo: não tenho mais você.
Paralisia, corpo torcido, alma quebrada.
Queria uma borracha, um apagador, quanta tolice!
Na minha cabeça, no meu coração, não tem quadro negro, não tem papel.
Dias como o de hoje, só tem verdades.
Trancada no escuro, fujo do dia, fujo do sol, não tenho alegria.
Sou algo sem planos, sem chão pra pisar.
Sou brasa que queima só em lembrar.
Aprendi algumas coisas, poucas, pelo tempo que cá estou.
Contigo ao meu lado já se fazia difícil. Sem você, tudo caminha sem meu andar.
Estou indo, mas bem devagar.
Divagando nos dias que amanhecem, rasgando-me em dor, me matando na saudade.
As lágrimas são quentes e o corpo não me obedece.
Vejo teu filho, um pouco meu filho e viro vulcão: solto fogo em meu coração, sinto raiva, queria-os juntos, amor imenso, tanto a fazer.
Quero compreender, mas não consigo entender.
Vou me levantar, abrir a janela, vou permitir o sol entrar.
Sei de mentiras e poucas verdades.
Hoje, a verdade é a dor gigante, a saudade imensa e a certeza que meu presente e meu futuro é sem você.
A morte carrasca bateu na porta, mas te prometo, vou lutar tudo que puder, por você e por mim, pelo teu menino. Buscar forças e ter um canto onde eu possa ter minha paz e sossego, pra gente se falar.

Feliz dia das mães

Quanta ironia, mentira e safadeza.
- Bom dia mamãe, feliz dia das mães!
Com certeza, muitos desses cumprimentos são sinceros, mas tantos outros apenas por obrigação.
Esse dia começa especialmente mais cedo: a mãe já adiantou as compras para preparar o almoço mas, com certeza, ainda vai ficar muito mais tempo na cozinha. Justamente por ser um dia especial, claro que vai passar uma vassoura na casa, limpar os cinzeiros e guardar os brinquedos do neto – aquele mesmo que ela cuida a semana inteira.
Chega a ser engraçado. Os filhos, noras, genros e netos conversam e brincam e a mamãe, essa fica na cozinha. Que bom para aqueles que não fazem desse dia um dia especial mas sim um dia alegre como pode e deve ser todos os dias.
O dia do ser humano é cada dia de sua vida. O resto, puro comércio.
Tem alguns dias que não dá pra deixar de comemorar, o das crianças por exemplo, elas não permitem.
De resto, os dias começam, tem meio e fim. Tem amor, dor e decepção, tem pancadaria, agonia e corrupção.

Sonho

Levantei o tapete, estava lá: amassada, descabelada, empoeirada.
Peguei-a, coloquei-a no sofá. Espere, vou te ajudar. Tirei os sapatos, coloquei os chinelos, mudei de roupa, tirei a maquiagem. Guardei os anéis e os brincos e então a levei para o banho.
- Me deixa, não tenho vontade, não tenho coragem, me dá desespero.
- Colabora, tenho pouco tempo. Preciso escrever, cuidar da casa, tantos livros pra ler, ver os meninos, assistir a um filme e ainda namorar.
- Faça o que tiver de fazer, me deixa sozinha. Sei me cuidar, ainda preciso esperar, logo tudo vai passar. Estou torcendo por isso e vou conseguir. Aí, junta-se a mim e vamos em frente. Agradeço a sua ajuda e sei que torce por mim.

Não quero mais

Meus pés ficaram presos na soleira da porta. Não quero mais entrar aí, esse imenso quintal me traz você de volta. Real demais, vejo você brincando com seu bebê.
Não quero mais subir escadas para o vazio, chegar na sacada onde um dia estava você, rindo em pose para foto antes de parir.
Não quero olhar a poltrona onde amentava o seu bebe, onde aconchegava seu menino para tirar sua dor.
Não quero mais ver a casa, a pia onde lavava mamadeiras com tanto zelo e carinho.
Não quero olhar para aquele jardim que ficara tão bonito,e hoje, tão abandonado.
Não quero olhar aquela porta, onde você sentava na soleira e dali apreciava as brincadeiras.
Não quero ver o largo na rua onde com ele jogava bola.
Não quero cruzar as esquinas que te traziam de volta pra casa.
Um grande pedaço de mim se foi com você.
Não sei mais sorrir, não quero mais cantar.
Não sei sonhar contigo, não sei como te deixar.
Você dançou naquela festa, foi pra praia acampar.
Naquela madrugada, começou a nos deixar.
E esse meu tormento só faz a cada dia aumentar.
Estou sempre te chamando mas não pode escutar.
Corro pras tuas fotos mas não posso olhar.
Suas margaridas não vingaram.

Mãe (escrito para as mães do Casulo)

Mãe,

O que dizer pra ti? O que dizem pra mim? Que ninguém diga nada. Dizer o quê?
Lábios selados, olhos nos olhos e um abraço apertado será o melhor. Não há palavras, não há consolo, não há respostas.
O que dizer para ti? O mesmo que tem à dizer para mim: os dias passando, o coração sangrando e a pergunta de sempre. Procurando crenças, buscando lugares, fazendo pedidos, procurando um canto para chorarmos a dor.
Não se acredita, é sonho, é pesadelo! É verdade, é fato e é cruel!
Mãe, entre, daremos a tí o que temos a dar: dor, saudade e revolta. Mas, tenha certeza de que temos abraços e a procura do continuar.
Algumas palavras, que mesmo que agora se façam vazias como pingo de chuva, irão te ajudar.
Mãe, daremos a tí o que conseguirmos lhe dar: cumplicidade na dor, entendimento no desesperar. Amizade e ombro pra chorar. E aqui, nesse lugar, diremos a tí: vem, vamos nos ajudar...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Depressão - dias monstruosos

Meus passos não querem me tirar do quarto, minha mente grita por liberdade de atos.
A vida grita em todos os cantos, na rua, no sol, dentro de casa. A minha vida grita de dor, desespero e cansaço, quem chega e vem me cumprimentar não sabe da minha dor, vergonha e humilhação.
A mente embaçada e confusa não me diz como continuar. O mundo caminha e eu continuo paralisada. A raiva se apodera e me faz confundir tudo, enrosco as mãos nos pés e não compreendo tanta loucura.
Fui menina, garota e mulher. Hoje sou pessoa jogada, largada e ladra de doces, implorando compreensão quando sei que ninguém pode ter.
Junto com meu buraco abstrato, purulento de feridas que gotejam sangue, escondidas, feridas grudadas na alma, impregnadas nos poros, fundindo-se ao suor fedido por falta de banho.
Do porão do desespero subo para o sótão imundo da medicina de status, dos diplomas nas paredes, recheadas de certificados e glórias. Medicina que salva mas também carrega vidas quando mãos e mentes despreparadas não prescrevem os remédios certos e não pegam o bisturi na hora devida. Diplomas com letras enormes e no rosto a superioridade que não deveria existir. Muitos são esses homens que disseram querer salvar vidas mas sem a humildade de pedir ajuda sempre que sentir que precisa.
Longos onze anos envenenada por drogas e mais drogas, muita dor pela caminhada sem esperanças.
Viva de casca e de roupas mas morta, tão morta, que nem consegui viver os últimos dias de minha filha. Via seu inferno de medo e dor ,escutava seu choro de agonia e nada eu fazia. Não podia, não conseguia, somente morria. Nem chorar sua partida eu fiz. Esvaziada de vida, não entendia de morte, muito menos daquela que arrancava para sempr uma vida que poderia ser tão bela.
Quando chego ao sótão de minha alma, tem desespero e solidão, tem poeira e escuridão. Aí, enlouqueço na realidade da humanidade, pacata, esperando por dias melhores.
Nesse sótão vejo pessoas aprisionadas pelos poderosos e podres de tudo, com pensamentos latentes em lucros e orgias, orgias de desmando, de pouco caso, de puro descaso, levando a pacata e dominada humanidade sempre pensando que de nada são capazes, que nada poderá ser diferente.
E assim caminha a humanidade: açoitada, esmagada e faminta, faminta de vida, de vida verdadeira, faminta de educação, saúde e dignidade; humanidade expropriada de tudo, amor, generosidade,vaidade.
Quando canso desse sótão imundo e gelado, desço ao porão embolorado de paredes rachadas, de estofo podres e contaminadas pela dor e abandono, de uma vida medrosa que desencanta o homem que ali precisa morar, mas abandona tudo porque já abandonou sua vida, tão despida de atenção
e proteção pelo estado vigente. Homens poderosos que um dia estarão igualmente a todos nós, debaixo da terra, comidos e dissecados, sem gavetas para guardar suas imensas fortunas roubadas e depositadas em paraísos dourados e reluzentes. Um dia poderão estar pretos e bolorentos, destruídos pelas mãos da sabedoria e do aprendizado que, até que se prove ao contrário, todos choram ao nascer.
Desço para o porão e corro com o campo fértil da imaginação, arrastada pela indignação, pelo sofrimento em que me arrasto, por pura falta de estudo, falta de vontade, falta de investimento, sem querer desafiar o mundo da mente dos homens acometidos por doenças mentais psicossomáticas e eventualmente neurológicas. Homens que se dizem médicos e se sentam atrás de uma mesa, rezando á Deus para que as horas passem depressa, e nesse tempo de espera, receitas e mais receitas, drogas e mais drogas.
- Vá para casa e durma com seu barulho, transpire sua dor no travesseiro, esconda seus medos embaixo das cobertas... se as tiver, claro...
Guardei as caras e o pouco caso de todos, salvo aqueles que se arrastam pela vida acreditando no que estão fazendo. Tento depurar no papel a vontade alucinada de poder inquirir a todos que se valem do avental e do estetoscópio pendurado, lançando olhares de enjoo, nauseantes, pedindo para entrar o próximo.
Hoje tenho a esperança, o sonho de tantos anos, de estar próximo o adeus a tantos anos de sofrimento, esperança essa dada a mim por pessoas lúcidas e amorosas, amigas e verdadeiras, por médicos que não brincam de medicina, família e vizinhos, conhecidos e vindos a conhecer nas filas de espera da dor e da crença em dias melhores.

Rosas cor de rosa

Vestida de branco, bordado de rosas cor de rosa. Muito jovem, amando muito e querendo muito meu neném, já no ventre haviam três meses.
Praia, sol, Cristo redentor, lençóis passados abertos, gavetas impecáveis.
Muitas brincadeiras saudáveis. Ela sentava-se ao piano, puxava sua Lalá com seu lulú, ouvia seu pai tocar violão e, na vitrola, Roberto Carlos.
Brigava com o Fábio e sempre que apanhava dele, chegava chorando e puxando minha saia: - Mãe, o Fábio me bateu!
Cabelos lisos e escuros, olhos grandes, sorriso largo.
Chris de outrora pequenina, hoje estampada no Cauê.
Alegre, só sorrisos, comia terra do jardim, comia as cabecinhas os fósforos.
Regava as plantas, adorava banho, faceira e inteligente, eterna chupeteira.
Tres anos e meio depois, chegou Mariana: alegre, branquinha e risonha para logo depois, Mariana pequena chorona
Brigas? Claro que sim, mas amor muito também.
Passeios, fotos, filmes, aniversários.
Chris com dez anos completos, Maricota com quase sete, fui me embora. Enlouquecida de paixão, fiquei cega. Saí na madrugada, a crença era certa: logo viria buscá-las.
Fui pra rua na madrugada, atrás de um novo amor. Nem imaginava, que a culpa nunca me deixaria.
Tiveram vidas de ciganas, a cada tempo um novo teto, a cada tempo uma esperança: será por pouco tempo! Esse tempo durou muito até que voltaram pra mim adolescentes. Muitas preocupações, bastante diálogo, brigas e proibições.
Tinha minha vida centrada no casamento eterno que se acabou depois de onze anos; ilusão feita de sonhos dourados, achei que logo tudo se ajeitaria.
Novamente outra mudança, para junto do pai e sempre com a irmã. E logo o pai do Cauê, que em sua vida chegaria com muitos anos de mágoas e tristezas: o André precisava crescer, amadurecer. Filho de mãe castradora e a Chris sempre passando a mão em sua cabeça. Ela não conseguiu dizer adeus à ele, a vida lhe-disse antes.
Levou-a jovem, deixando sua gravura estampada nos olhos e nos cabelos lisos do seu menino Cauê...

Uma pequena estória

Na rua de casa, uns cinco meses antes de a Chris partir, morreu um garoto de dezesseis anos. Ela e a Mari o conheciam desde pequeno, costumava brincar em casa com a Juliana.
Um dia, reclamando de minha depressão, escutei dela:
- Mãe, sei que deve ser difícil essa doença mas será que tem dor pior do que a de perder um filho?
Não, Chris. Te respondo só hoje: não tem dor maior.
Não conseguimos entender: eu, o pai e a irmã. A Mari, depois de um tempo, me confidenciou:
- O choque persiste, não queremos entender de morte.
Ela ainda não acredita, eu não aceito e o pai trancou sua dor – esconde-a no peito, chora sua perda a sós, não consegue dividir.
Só podemos saber sobre isso quando chega em nossa casa. O que estou vivendo? Como posso continuar? Quem me tira de baixo desse trator que esmaga o meu peito?
Minha cabeça rodopia, preciso de ajuda, preciso me acalmar.
Vejo minha filha chorando, como faço pra consolá-la?
Não me despedi, meus beijos foram tímidos, suas mãos estavam geladas e machucadas. Seu rosto estava triste, ela não queria ir. E eu não podia trazê-la de volta.
Nada mais eu podia. Disso, eu entendia: não tem não, Chris, dor maior que a da perda de um filho.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Falando de depressão - grilhões na alma em susto

Amarrada sem correntes, presa com portas abertas
giro no mundo, giro no quarto, giro no delírio
me peso no pêso e na consciência
cobro a vida, a vida me cobra

Choro de dor de saudade, choro de culpas
me dou parabéns, me dou desalento
busco acalantos, busco aconchego
busco verdades e minto pra mim

Sou purpurina, tinta guache, papel dourado
caixa amassada, roupa surrada, suco de limão
sou gargalhada, poeta e feiticeira
detetive, palhaça e faxineira

Conheci amores egocêntricos, elegantes, mau caráteres
radicais, melosos, estúpidos
cavalheiros chatos, jovens abusados
cativantes, cativeiros, amarrada estando livre

Subi em palcos, aplaudi na platéia
recebi elogios, magoei, arranquei a máscara
me prejudiquei, prejudiquei pessoas
abusei, me lambuzei na burrice

Fui carinhosa, atenciosa, grande idiota
me arrisquei nas madrugadas, esperei amanhecer
estive em apuros, consegui escapulir
queria ser tanta coisa, sou Roseli

Roseli grávida ,fecundada na cama do amor
gerei duas filhas, lhes entreguei a luz e o meu amor
amor que eu tinha, o qual eu conhecia
dei carinho e atenção o quanto eu podia

Dei meu leite, banho e brincadeiras
dei broncas, passei noites em vigília
molhei chupeta em açúcar achando que bem eu fazia
chorava junto com dores que eu não tinha, mas que meu coração sentia

Cantei sem saber cantar, inventei histórias
fiz desenhos sem saber desenhar
fui mãe e as vezes madrasta.
dei tudo que tinha pra dar

O tempo passou, correu, caminhou
cresceram, amaram, filhos geraram
fiquei avó, fiquei coruja, fiquei feliz
um dia, assim, um dia, chegou quieta, sem alarde

Arrancou de mim, arrancou dela a vida que lhe dei
arrancou dos meus braços a mulher que eu gerei
levou para sempre aquela que foi brejeira e faceira
levou a mulher doce, mãe carinhosa, filha amorosa.

Fico trancada, a janela fechada ameniza
o barulho da rua, o latido do cão se faz mais distante e a música mais amena
posso fugir um pouco disso? posso fugir de mim?
estou aqui, posso fechar a porta, escurecer o quarto, escrever, mas posso fugir de mim?

Estou aqui dentro de mim, minha cabeça junto comigo, os pensamentos só a mim pertencem
minhas dores só em mim doeram
a saudade só minha está dentro de mim.
busco ajuda, carinho, atenção.

Fico sonhando que alguém se lembrará: - alô, como você está? - só sonho.
O telefone não toca, a campainha não toca, não tem buzina na porta
mas ao invés de trancar tudo poderia objetivar minha busca, antar minha procura, conseguir me bastar, abrir a janela, ouvir o cão ladrar, buscar o que de bom pode a música me dar

Cantar, gargalhar, buscar um novo amor
regar uma planta, ouvir quem precisa falar
falar com quem quer e pode me ouvir
cobrar o que de fato me é devido receber

Não posso fugir de mim, não quero fugir de mim.
quero fechar a porta e trancar a janela para minha proteção
manter o coração aberto, derramando luz e atenção.

Quando?

Renascer, quando?
Nem ela, nem eu.
Não posso mais te gerar.
Nasceu, mas partiu.
Viver? Sim, como puder.
Cheia de nós, te amando, te buscando, te pensando, uma busca sem volta.
Corre o rio poluído, chora a criança sem mãe.
Morre a mãe e deixa o filho.
Morre o filho e deixa a mãe.
Quero entender, aprender, como fazer?
Ninguém me responde, a lua se cala, a estrela se esconde, o mar se enfurece.
Ninguém me escuta, a gruta escurece, minha alma padece, não sei fazer prece.
O estomago revira, a dor se aguça, não sei mais falar com você.
O choro chega, a loucura me invade, morta, me dói escrever.
Me arrasta a saudade, me invade a maldade.

Tempestade na alma

Assim como a chuva, pesada, gelada e cheia de fúria com vento arrastando, céu carregado, nuvens espessas, clarões de fogo, pedidos de socorro, perdida no choro.
Pés enrugados, dedos crispados, solidão encardida, com a casca apodrecida da ferida que não cicatriza, caminho pra frente mas arcada de peso de alma doida, de grito preso, de voz embebida.
Tenho chispas nos olhos, fagulhas douradas, caminho sem doce no mel, sem perfume nas rosas, com chuva de restos caídos do céu.
Algo chega na terra de chicote nas mãos: açoita minha alma, grunhe a boca e o suor escorre como seiva do caule.
Veneno que mata a vida no jardim, jardim que acolhia margaridas tristes que não quiseram brotar pois ela não estaria mais lá.
A terra cansada, seca e suja, se agarra nas muretas manchadas de tinta; terra que restou das águas que limparam marcas da vaidade de uma casa limpa.
Mas na casa, mora a saudade. No jardim, a solidão e no quintal a gargalhada que emudeceu.

Dor

Imensa como o oceano. Infinita, sem rumo, sem bóia, sem barco, sem salva-vidas.
Cheia de sal, com o sol escaldante, ondas gigantes de um verde brilhante, tendo o céu como guia.
Cheia de choro e de boca amarga, com mãos ressecadas, pele queimada; à deriva de um sonho, espero chegar à praia.
Chegando na areia de alma rasgada, sem direção, perdida, açoitada no coração.
Chegando na areia, enxarcada, cheia de algas, sangrando ferida pelas pedras, soluçando sem lágrimas.
Ao longe um monge, um frei de chapéu, um anjo sem asas caído do céu.
Uma moça de branco, um ramo de flores, com pés descalços e um sorriso encantado, prateada de estrelas, buscando o mar, partindo nas ondas, sumindo no ar.

Pequena conversa com Cauê

- Cauê, você quer escrever alguma coisa para sua mamãe?
- Pra quê, vó, minha mãe já morreu. Ela não pode ler...
- Eu sei, meu amor, mas é uma lembrança pra gente guardar.
- Vó, as pessoas tinham que escrever pra minha mãe enquando ela estava viva...

Pensando - Dayse Sarilio

Pego na caneta e penso em escrever sobre a Chris.
Meu pensamento voa e então vejo a menininha Chris quando nasceu, vejo-a quando começou a andar e a fazer gracinhas, e lembro que só aceitava ir às festinhas que tivessem brigadeiros!
Lembro da menina-moça que patinava no Roller, da adolescente que dançava no clube Ipê.
Lembrei da Chris mulher, exibindo sua linda barriga com o presente que Deus lhe deu em seu ventre.
Menina, moça, mulher, que tão cedo foi embora e que tanta saudade deixou.

Cálice - Leonardo Sarilho - 20/06/05

Aqui passa-se tudo, acontecimentos repentinos onde fico insignificante por não poder mudar nada. E o cálice fica saturado, transborda.
Sinto-me frágil. Queria ter um dom: fazer ela voltar.
O conteúdo não se dissolve, não mais está homogênio, nada posso misturar e parte de mim se foi, evaporou-se.
Será o ciclo da água igual para nós?
Se por ventura for, espero a solução.

Foi hoje, quando acordei

Quando acordei, no mesmo instante eu entendi: amar também se aprende. Isso, eu não sabia que se aprendia.
Pequena menina Maria, tão absorta em fantasias, distante de agonias.
Pequena sonhadora, aprendi a amar Maria.
Tinha algo que eu não sabia, não conseguia amar Maria.
Nesse dia havia sonhado com minha filha e com lágrimas nos olhos derepente entendi: agora sei amar Maria e isso eu não sabia que se aprendia.
Lembrei de minha filha pequena e gentil e as lágrimas rolaram quentes e saudosas de seu encanto e meiguice e nesse instante eu aprendi: agora já amo Maria.
Manhã de saudade, de peito apertado, chorando e querendo entender o que acontecia e aí então me lembrei de você, pequena menina Maria.
E num instante eu aprendi: já posso amar Maria.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Teu nome

Como posso entender o que aconteceu?
Homens que estudaram para salvar!
Raiva, muita, sinto sempre que lembro
Incompetentes, não souberam o momento
Sei que todos te lembraram eternamente



Mancharam suas mãos e mentes
Arriscaram e perderam sua paz de espirito
Nada fará com que médicos que
Tiram vidas por descuido
Um dia descansem em paz.

Desordem

zueira, capoeira, homem aranha
gargalhada, choradeira, brincadeira
atenção, má criação, emoção
olhar inocente, perguntas díficeis



procura respostas, digo o que consigo
ajeito, mudo a conversa
distraio, atraio, faço alguma graça
sente abandono, não entende de morte



quem entende de morte?
quem tem resposta?
temos a vida, a morte tem nossa ida
conversa pesada. viva a vida.

Voz

- Oi, filho!

Essa frase eu ouvia da minha filha, quando chegava em casa falando com seu pequeno.
Hoje, não posso mais ouvir, ninguém mais pode escutar.
O seu "oi, filho!" soava como um canto, cheio de melodia, carinho e amor.
Minha guerreira e mãe partiu pra nunca mais voltar. Seu filho - e meu menino - está muito zangado, cansado e machucado.
Mãos de homens despreparados, mãos de pouco caso, tiraram sua mãe e levaram minha menina. Tenho enterrado em minha alma um metal gelado e afiado, que me corta a cada dia.
Hoje não posso mais ouvir, não posso mais escutar: oi, filho!
Ficou só na lembrança sua doce e calma voz: oi, filho!

O filho dessa filha amada e tão querida, levada para sempre por homens tão cruéis, ficou cheio de dor, muito machucado e seu pai nada entende de filho.
Saudade alucinada, que maltrata e judia; a dor no peito que nunca esvazia.
Filho sem mãe, mãe sem sua filha e a dor no peito que nunca esvazia.

Muito choro

Choro por tudo: saudade, medo e aflição.
Choro de ansiedade, descaso e desilusão.
Choro pela verdade e por causa da mentira.
Choro pela morte, pela vida e pela angústia.
Choro pelo sol e pelo vento.
Choro quando lembro e quando a lembram.
Choro se o dia está lindo, choro quando está feio.
Choro por tudo e tudo é nada.

Quero saúde e não mais a dor.

Flores no jardim

Haviam duas flores no meu jardim. Flores que foram plantadas com muito amor, amo-as demais. Nasceram diferentes, cada uma com seu jeito e com um intervalo de tres anos entre os nascimentos. Reguei essas flores, alimentei, fiz tudo que achava estar certo, errando em algumas coisas, acertando em tantas outras.

Há pouco tempo, uma delas foi arrancada do meu jardim. Levaram-na para uma estufa escura, sem água para sete tanta, sem terra e sem sol: um lugar escuro, cinzento e gelado, cheio de flores secando, murchando e mal cuidadas; um lugar cheio de homens de branco, muitos deles frios, malditos, que se acham no direito de brincar de aprender. Deixaram minha flor secando, sem abri-la para matar o bicho que sugava sua seiva, deixando assim seco seu caule.

Minha flor voltou para o meu jardim com medo, assustada, sem orientação adequada e nem ela nem nós sabíamos o que fazer nem como fazer. Chegou cansada, pálida e murchando. Depois de poucos dias, de repente, pra estufa ela voltou. Minha outra flor se doou, se rasgou, se escancarou. Ia lá todos os dias, banha-lá, penteá-la, levar aconchego.

Eu fiquei, sofri, chorei e esperei. Queria muito ir mas não podia, não conseguia, só sofria; fui uma única vez, arrastada, cansada e desesperada. A doença me acabava.
Minha flor Mari e seu pai, iam sempre. Até que chegou o dia: minha flor Chris se foi, ficou.
Minha flor Mari caiu, murchou, desmaiou. Sua irmã meio mãe, se foi, não voltaria mais, nunca mais. O pai não entendeu, olhou e perguntou:
- Como assim, doutor? Ficou?
- Sim. Nós a perdemos.

O André não entendeu, ninguém entendeu. Nós a perdemos, ela não volta mais.
Minha flor Mari e seu pai correram, leram documentos buscando explicações, beberam, se anestesiaram, choraram. Em constante aflição, ficaram esgotados. Todos se perguntavam: o que aconteceu?

Nesse jardim ainda existem muitas flores, mas sempre faltará uma. Na terra ficou um buraco que queima em meu peito, brasa que tange minha alma. É luta para que se aceite o luto. A Mari é lutadora, guerreira, flor viçosa, saberá criar suas duas pequeninas flores, saberá cuidar de sí e do fruto de sua flor-irmã que foi arrancada do meu jardim.

Minha filha se foi

Dor profunda, pedaço arrancado de mim.
Cratera sangrando, corroendo cada canto, cada pedaço de mim.
Pedaço dela, pingo de gente Cauê, chorando, sofrendo, perguntando, chamando pela mãe.
Ando pela casa: sapatos, bolsas, vestidos. Simplesmente não atino.

Cada canto, cada coisa. Como dói.
Peito esmagado, dilacerado. Tristeza, saudade.
Choro sem parar, sem trégua, mas as lágrimas não caem; estão presas, amarradas no medo e na solidão; estão presas na única certeza que tenho: ela se foi para sempre.

Sem despedida, sem beijo, sem boa noite.
Nunca mais o bom dia, as conversss e os planos.
Nunca mais sua gargalhada, seu sorriso maroto.
Cratera profunda, enorme. Pedaço arrancado de mim.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Tarde quente

Tarde quente, coração apertado, lembranças. Muitas lembranças.
Estou na sala da casa da Dalva. A mesma sala onde ficamos desde sábado até aquela segunda-feira, quando chegou a noticia. Ficamos todos, nesses tres dias, rezando, pedindo, entrando e saindo, orando e chorando. O telefone não parava e a cada toque um sobressalto, um arrepio.
Dormia-se tarde, acordava-se cedo. Comer eu não queria. Descansar, como? Eu não podia.
Fazíamos corrente, implorávamos: Chris, volta, por favor volta, acorda e vem pra casa, estamos te esperando. O Cauê está te esperando, o André também.
Chega de tanta dor! Acreditávamos todos que ela iria voltar...
O telefone tocou:
- Mãe, um a zero pra nós!
- Verdade filha??
Mais tarde:
- Mãe, quatro a zero pra nós!
- Meu Deus! Não me engane, é verdade?
- Claro! Ela vai sair dessa!
Quanto medo! A cada toque, a pergunta: e agora, quem atende? Qual será a notícia?
Na segunda-feira eu estava na casa da Sonia. O almoço estava para ser servido: na mesa o Mantu, o Sérgio e eu; na pia, a Renata e a Sonia no fogão.
Na sala estava o marcelo e na UTI minha filha morrendo.
Meu coração se apertou, se esmagou e a respiração quase faltou. Preciso ir pra Dalva, quero ir embora daqui!
O telefone tocou:
- Rô, a Mari está aí? - perguntou o pai.
Por quê ela estaria? Não está com você?
Claro! Eu já sabia... corri pra rua e a Marina me acompanhou. Minha filha estava morta!
Como estará a Mari? E o Piga? Como estará o André?
Minha filha, meio filha de minha outra filha, chegou.
- Mari! Ela morreu??
- Claro que não mãe, vamos entrar.
Sentei no sofá, a Mari se ajoelhou aos meus pés:
- Mãe, todos vamos precisar muito de você.
Será que os assassinos vão pagar?
Quero ver a cara de todos, quero ver as mãos de todos.
- Isso tudo é teatro - profetizou o psiquiatra.
A cortina se fechou. A platéia estava no hospital, em casa, orando, sofrendo, esperando e chorando.
Espero que eles sim, subam ao palco e no centro tenha um juiz e que a decisão seja justa.
Parem de matar!!!
Estudem de verdade, amem a profissão.
Parem de arrancar filhos dos braços de suas mães, seus pais, tirar irmãos, amores de suas famílias.
Chega! Chega de ousar, experimentar, chega de brincar!

Lembrança

Uma pequena homenagem que faço ao meu amor que tão cedo partiu, partindo meu coração.
Antes de perder minha filha, já me sentia no fundo do poço e sequer sonhava que um dia sairia desta escuridão. Onde achar alguém que me retirasse? Buscava já há longos dez anos ajuda para sair desse lugar. Mas... me enganei quando pensei que fosse o fundo pois quando minha filha partiu, aí sim, desci às profundezas desse lugar: escuridão total, sequer um filete de luz, nem mesmo uma lamparina ou um simples vagalume.
Pensava que, assim que saísse desse poço, reuniria meus amigos, as pessoas que amo, que me ajudaram e foram solidárias, enfim, que estiveram comigo. Imaginava um encontro onde cada um fizesse algo que lhe fosse prazeroso: cantar, dançar, qualquer coisa e que eu pudesse mostrar meu sofrimento: falar dessa perda, dessa dor desesperada, malvada, cruel e desenfreada.
Perdi meu pai, primos e tios. Nunca pensei que pudesse perder uma filha. Nunca, nunca imaginei! Sofri demais por amor. Passional que sou, já me descabelei, me doei, corri atrás, me humilhei e hoje percebo que desse amor pode se perder muitos, mas a dor, essa nunca será a da perda de um filho. Cada dor é única, não tem raça nem credo, não tem cor. Mas essa, essa corrói, dilacera; profunda, te joga ao chão.
Pouco tempo depois saí dessa escuridão: escalando, me agarrando, me arrastando e arranhando. Saí da escuridão e segui o filete de luz que lá fora, eu vislumbrava. Senti o sol, o frio, e a chuva me encharcando me chamava de volta à vida. Renasci e então me perguntei: precisava minha filha partir para que eu voltasse?
Decidi que esse encontro seria em casa, onde moro com as crianças, com a Mari, com o Zé e o Stefan. Onde morava a Chris, com jardim, flores e muito espaço. Senti essa necessidade e quero dividir com vocês a minha dor, que pode ser que diminua um dia. Mas minha saudade, essa sei, será eterna...

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

6 e alguma coisa - amanhecendo

Não fomos o que queríamos.
Não se volta ao que se foi.
Não volta quem já foi.
Iremos todos algum dia.

Não amamos quem merece e às vezes não merecemos a quem nos ama.
Não se pára na metade do caminho, deveríamos caminhar até o fim.
Não aceitamos o que somos mas somos o que podemos ser.
Não damos o que esperam de nós, esperam o que não temos para dar.
Não sorrimos o quanto temos para sorrir.
Choramos pelo o que perdemos, perdemos a quem amamos e amamos como aprendemos.
Buscamos o que sonhamos, sonhamos o que queremos, mas ficamos esperando e esperando, nos perdemos.

escrito em 02 de janeiro de 2007

A cor que não pinta

Pintei meus cabelos e as unhas dos pés, joguei uma rodada de buraco e tomei café. Ouvi algumas canções e fui dormir: a lua me olhava através da janela e então meu coração começou a chorar.
Vou por aqui tentando mas a alma sapateando traz o choro chegando a qualquer instante. Você chega de repente, vejo teu sorriso e depois assisto sua dor. São longos três anos de saudade, não tem batom nem esmalte, não tem filme nem novela, lua nem sol. Não há nada nesse mundo que me faça te esquecer.
Pintei meus cabelos e as unhas dos pés, mas a cabeça grita e os pés caminham para um canto qualquer. Chora a minha alma e o meu coração. A dor só se acabará no dia em que eu me for e puder te encontrar; o sol só me aquecerá no dia em que eu não mais chorar.